- Tenente Danilo se apresentando para o serviço Capitã! - Disse o jovem oficial de forma firme e prestando continência.
- Danilo, quantas vezes vou ter que dizer que nós não somos mais militares, não precisa juntar casco pra mim. - Respondeu Ligia com um sorriso nos lábios enquanto segurava o riso.
- Sei - lá eu ainda não me acostumei... foram tantos anos sendo marretado no curso de oficial, daí agora nós aqui sendo simples civis.
- Tem nada de simples em ser civil, ainda mais na nossa posição.
- Eu sei... bem, isso não importa! Selecionei a equipe que você pediu, esses são os perfis.
- Quantos militares?
- Somente uma praça... os demais são de outros setores e iniciativa privada.
- Ótimo, quando eles poderão se apresentar?
- O da iniciativa privada precisa de 15 dias por conta da comunicação e pagamento da rescisão contratual os demais já estão à disposição.
- Pague a rescisão, preciso da equipe pronta para ontem.
- Como? - Danilo se assustou com a ordem recebida.
- Temos orçamento pra isso, pague o que a empresa pedir de compensação. Eu quero essa equipe online no mais tardar amanhã pela manhã.
- Sim senho... Sim Ligia! Considere a tarefa feita.
O ex-oficial girou no calcanhar e se dirigiu a saída do escritório envidraçado e espelhado deixando a jovem mulher observando o colega andando marcialmente e visivelmente desnorteado.
- Eu também não me acostumei com nada disso Danilo, mas nós precisamos mudar para que algo nesse país mude. - Ligia então girou a cadeira de diretoria deixando de olhar sobre a grande mesa de mármore negro e fitando os recém adicionados letreiros identificando a organização recém-criada.
“Grupo de Operações Especializado – Ações Táticas e Guerrilha”
- Isso tem que dar certo pai! - Disse a jovem com uma lágrima no canto do olho. - Eu juro que vou fazer dar certo ou morrer tentando, não importa o que precise sacrificar pra isso.
- TU TOMOU UM HEADSHOT DE NOVO!!!? CARA VOCÊ É MUITO RUIM NISSO!
- NÃO ENCHE!
A animação do grupo de adolescente era enorme, e seus gritos de excitação e provocações somente era sobrepujado pelos sons de tiros e explosões do jogo.
- E AÍ CAROL, JÁ SE ACOSTUMOU COM OS COMANDOS?
- Eu ainda não tô muito habituada com esse controle, eu sou mais PC Gamer, mas está dando pra jogar.
-Uma gamer-girl! Meu deus você é uma deusa! Não somos dignos! Não somos dignos! - Disse André suspirando alto.
- Deixa de putaria moleque! -Gritou Clayton! -Me dá cobertura tão me matando aqui!
- Me dá só um minuto que eu chego aí!Primeiro tenho que fazer o respawn do Daniel daí te ajudo a não morrer seus ruim! – Disse o jovem baixinho retomando a seriedade. - Alias, seu irmão não vem?
- O Douglas é esquisito, falei que a gente vinha pra cá, ele tava confirmando que vinha e de repente falou que não vinha mais.
- Azar o dele, não tádesfrutando da presença de nossa deusa francesa! - Disse André olhando apaixonadamente para Carol, esta por sua vez ficou roxa de vergonha e se encolhe atrás do controle do videogame.
- Eh... Daniel?
- Fala Ca... – disse o jovem sem desgrudar os olhos da tela da TV.
- Você não tinha dito que o Fábio viria?
- Não consegui falar com ele nenhuma vez, Filho da puta deve ter largado o celular em algum canto, ele vive fazendo isso... É um inferno conseguir falar com ele.
O rosto da jovem se tornou apático.
- Que pena.
Os rapazes se entre olharam, com sorrisos maliciosos.
- É André, acho que você só vai contemplar sua deusa de longe. - Disse Daniel entre um leve riso, Carol por sua vez ficou ainda mais corada!
- Para de falar essas coisas Daniel! – Gritou a garota.
André então salta diante de seu lugar no sofá para frente da TV com uma cara de incrédulo!
- Não é justo! - Gritou o jovem com sua voz oscilando e rosto transparecendo estar transtornado.
Os outros dois rapazes e a jovem pararam de jogar diante da atitude do garoto.
- Eu sou muito mais homem que ele... O que me falta em altura me sobra em olhos para contemplar a beleza de tão bela dama. - Disse o jovem transformando o rosto de transtornado em um sorriso sacana terminado em uma piscadela enquanto fazia uma reverência. - Mas eu aceito ser o Ares da nossa Afrodite se ela quiser.
O trio caiu na gargalhada.
- Vocês são completamente malucos! -Exclamou Carol enquanto ria.
A jogatina seguiu naquele clima de descontração e amizade, vez ou outra com algum comentário maldoso por parte dos garotos em relação aos dois que não estavam presentes.
- Mas Carol, me explica... como a filha de uma diplomata Francesa acaba vindo parar nesse fim de mundo? - Questionou Clayton enquanto apertava os botões do videogame freneticamente.
- Minha mãe foi destacada para cá porque precisavam de alguém com experiência... Dada as particularidades de São Miguel e Brasil.
- Experiência? Ou seja, ter vivido aqui quando era território brasileiro e ter tido uma filha com um nativo? - Questionou Daniel.
- Não... bem, acho que isso facilitou as coisas, mas era questão de idioma, costumes, ela tem um bom relacionamento com o governo do Brasil.
- Mas nós somos independentes agora, o que isso faz diferença? Foda-se o Brasil! - Disse Daniel colocando o videogame de lado. - Só acho muito brega esse nome “República da Grande ilha de São Miguel” puta nome comprido e tosco.
- Você não gosta por conta de ter nome de santo! - Exclamou Clayton.
- Anjo! - Corrigiu André.
- Gente vamos concordar que é zoado demais isso... Puta megalomania junta com religião, a ilha nem é tão grande!
- Era a maior do Brasil. - Apontou André.
- E manteve o nome, que porra de independência é essa que fica prestando homenagem?
- E acho que é por isso que minha mãe foi destacada para cá, imagina algum noob vindo pra cá e ter que lidar com essas coisas. - Disse Carol olhando para os três jovens que agora pareciam ponderar sobre a hipótese da jovem.
- Tá, faz sentido. Mas vocês notaram uma coisa? – Disse Clayton soltando o controle remoto.
-O que?
- A gente perdeu a partida.
Os quatro jovens olham para a tela mostrando repetidamente. as mortes dos personagens deles na grande tela de LCD.
- MERDE! -Bufa Carol.
- Até xingando ela é linda! - Suspira André.
- O que vocês querem comigo? Como você sabe dos meus pais? – Questionou Fábio enquanto se recostava na cadeira.
Cristiano estava sentado do outro lado da pequena mesa, com um olhar frio como se analisasse cada movimento do rapaz, ao longe Kay e Paulo conversavam com a mãe de Cristiano enquanto ela fritava uma chapa com diversos hambúrgueres para atender os clientes do quiosque.
- Eu sei o que deu na TV,” Policial e esposa são mortos em grave acidente de trem, filho do casal sobrevive milagrosamente”
- Não é verdade.
- O que não é verdade?
- Que foi um acidente de trem.
- E o que foi?
- Você me diz... você que falou do responsável pela morte deles.
- Você já deve ter notado que a gente não é só o “grêmio estudantil”, não é?
- Vocês parecem mais uma gangue.
- Não parecemos.
- Não?
Houve um segundo de silêncio na mesa, os dois jovens se olharam medindo as reações um do outro.
- Nós somos! Você estudou a vida inteira em escola de playboyzinho e agora por alguma razão veio e caiu no meu colo então eu quero te explicar como a banda toca. - Disse Cristiano colocando a mão no bolso. Fábio por um minuto imaginou que se tratava de mais um cigarro e já estava pronto pra socar a cara de Cristiano caso ele soltasse outra baforada de fumaça na cara dele. Porém para sua surpresa o jovem de cabelos arrepiados e olhos azuis pegou uma caneta e um mapa da cidade e os arredores.
- Essa é nossa ilha, toda essa área que vai da ponta do centro até perto da zona portuária é controlada por nós. Isso é, do parque de skate, passando pela nossa escola, até a região dos conjuntos habitacionais novos e a vila industrial.
- Tá, e o que eu tenho a ver com isso?
- Bem, o que você tem a ver com isso é que eu quero que você faça parte do nosso grupo.
- E se eu me recusar?
- Você não vai.
- Você fala com tanta certeza, você nem me conhece!
- Acho que eu te conheço melhor do que você imagina, nós somos muito parecidos.
- Não vejo nenhuma semelhança.
- “Cozinha são lugares perigosos!” foi isso que ela disse pra você né? – Questionou Cris enquanto acompanhava a mãe servindo as mesas dos clientes com um sorriso nos lábios.
- F-Foi..., mas, o que isso tem...
- Minha mãe parece descuidada para você?
Fábio passou a acompanhar a dona Maria enquanto ela servia as mesas, o equilíbrio e desenvoltura para passar entre as pessoas lidando com diversas coisas ao mesmo tempo chegava a ser invejável.
- Não, muito pelo contrário.
- As feridas dela não foram acidentes, meu pai era um bêbado desgraçado que batia nela e um dia jogou óleo quente nas mãos dela porque ela tinha se livrado das bebidas da casa.
Nesse momento o coração de Fábio deu um soco, seu sangue esfriou como se tivesse sido substituído por ácido lático.
- Eu já estava acostumado a apanhar quando ele chegava daquele jeito em casa, a única coisa que eu pensava era em proteger meu irmãozinho e minha mãe, mas nesse dia quando ele viu o que ela tinha feito eu não consegui agir antes.
O rosto de Cris ficou sombrio.
- Ela estava distraída fazendo batata frita na hora, não teve tempo de reagir, quando eu cheguei na cozinha ela estava gritando com as mãos queimadas.
- Meu deus!
- Foi quando eu peguei a faca.
- V-Você matou seu pai? Você devia estar pr...
- Preso? É, você também.
- Eu quero que você entenda, tu não é o único que já matou aqui! A diferença entre nós dois é que eu não fiz por acidente, eu fui pra cima do meu próprio pai na intenção de me livrar daquele lixo humano.
- E você quer que eu me una a vocês por quê?
-Porque eu preciso de alguém como você, sabe o que essas áreas que minha gangue controla tem que nenhuma outra da cidade tem?
- Não faço ideia.
- Não tem violência.
- Por conta de um bando de estudante do ensino médio? Conta outra! - Fábio visivelmente puto se levanta e se posiciona pra ir embora, porém tem o pulso segurado por Cristiano.
- Eu também acho incrível quando paro pra pensar! Mas tudo isso é por conta da nossa maravilhosa escola.
Fábio fica observando o rapaz que segura firmemente seu pulso.
- O Paulo, o Kay a Val e praticamente todos os outros tem histórias similares a minha e a sua.
- Qual a história deles?
- Eu prefiro que eles contem, se eles quiserem, o que cabe a você entender é que nós fizemos coisas terríveis, mas todos por boas razões, e fomos parar naquela escola.
- Sendo que todos deveriam estar presos ou em um reformatório.
- E quem disse que não estamos? – Disse Cristiano se debruçando sobre a mesa sob o olhar atônito de Fábio.
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