A escuridão continuou por tanto tempo que a jovem nem pode contar. Depois, começou a sentir calor, amor, sons, que se transformaram em vozes muito distantes, que depois pareciam mais próximos. Sentia os primeiros movimentos, como se estivesse presa no meio de cobertores. Até que mais uma vez uma dor tomara seu peito, e pode ouvir uma voz estridente de um bebê muito próxima de si.
Foi apenas quando sentiu o colo da mulher que a segurava, que compreendeu então, que o bebê era ela.
Ela havia reencarnado, era a única certeza que ela podia ter naquele momento. Um pânico tomou conta mais uma vez de seu ser, não poderia concluir sua tão querida pesquisa. Em sua mente, apareciam os rostos de seu irmão, sua mãe e sua avó. Mas a moça que a segurava com certeza não era nenhuma deles. Sentiu o choro voltando, mas foi acalmado pela mulher que a embalava em seus braços. Mais uma vez sua mente ficou em branco, apenas sentindo o momento.
Não conseguindo se quer imaginar quanto tempo demorou para ter sua consciência de volta, agora, encontrava-se num bonito quarto de bebê todo decorado. Havia um garotinho a encarando, tinha olhos tão vermelhos que pareciam feitos de sangue, a pele lembrava a de um tritão de um livro de fantasia, mas a pele era negra, com manchas mais claras em volta dos olhos, como se fosse o de uma baleia orca. O menininho entregava uma pelúcia de Boto-cor-de-rosa, para ela. Ou pelo menos tentava, nas pontinhas dos pés sem conseguir alcançar o berço.
– O que está fazendo, William? – Falou uma voz masculina, um pouco distante. Era difícil ver qualquer coisa fora do berço pomposo, com as grades brancas e grossas cercando sua vista.
– Quelo dá a Judite, pla mana! – Falou o menino, que devia ter uns quatro anos. – Agola eu sô gande!! – Tentou mostrar os músculos, ainda segurando a pelúcia.
Pode-se ouvir uma risada grave tomar todo o quarto, e logo uma enorme sombra se aproximou do berço. Primeiro, parecia uma pessoa. Mas depois, pode-se ver a cabeça de dragão, como de uma pintura japonesa. O corpo era humano, porém, bem maior. Como se tivessem cruzado um fisiculturista com jogador de basquete. A pele era morena, quase dourada, com algumas escamas pelo corpo. A cabeça de dragão da mesma cor do ouro, tinha como uma crina (cabelo) de um azul royal forte.
O homem pegara o garotinho e o colocara próximo ao berço, para que pudesse olhá-la mais de perto. Seus olhos arregalaram, nunca havia visto algo assim. Talvez a jovem estivesse em coma, pelo menos, era o que sua mente terráquea tentava assimilar. E antes que percebesse, começara a chorar, o que assustou o homem, que ficou muito envergonhado, colocando o garotinho no chão e se afastando cabisbaixo.
Com seu choro, um outro homem entrou no quarto. Era bem alto e esguio, e parecia um príncipe de um conto de fadas! Cabelos amarelo ouro, olhos azuis como safiras, a pele levemente morena e sorriso com covinhas. Com seus cabelos perfeitamente penteados, usava uma roupa composta por uma túnica e calça, parecida com a do homem dragão.
– Biwa, o que está acontecendo? – Falou o loiro com uma voz melodiosa, digno de um protagonista de musical. Ele se aproximou do berço, pegando-a no colo, e verificou sua fralda.
O homem dragão estava sentado numa poltrona longe do berço, como o menino a seus pés, que tentava fazê-lo se levantar sem nenhum êxito. Com uma das mãos ele mexia em seu cabelo azul, enquanto a outra mão era puxada em vão por Willian.
– Ela está com medo de mim.... – Respondeu em muxoxo, o dragão.
Foi naquele momento que realmente parecia ter caído sua ficha. Ela realmente havia reencarnado e agora era um bebê. O que significava que teria que reaprender a falar, andar, e até mesmo ir no banheiro. Não conseguiu controlar o choro ao perceber tudo que teria que passar naquele estranho mundo. "Eu virei um bebê!!!!!!! AAHHHH!!", sua mente gritava, mas a única coisa que podia ser ouvida era o estridente choro de bebê.
– Vamos lá, Moama... Seus pais estão aqui!! Não precisa chorar!! – Falou o homem loiro. Ele balançava-a com delicadeza, tentando fazê-la dormir.
"Moama, esse é meu nome agora?" Ela realmente não era mais a mulher de antes, voltara ser um bebê. Um novo lugar, um novo nome e, claramente, uma nova vida. O menino se aproximou mais uma vez, puxando Biwa por uma das mãos, enquanto com a outra balançava a pelúcia para entregá-la.
– Dá, pla, mana!!! Vai pala de cholá!! – Falou o menino, estendo o boto. O dragão o pegou mais uma vez no colo, mas agora, se aproximava com cautela.
A menina pode perceber que os olhos vermelhos do dragão estavam marejados, e ele estava meio cabisbaixo. Parecia que seu choro o havia deixado chateado. Então, parou de chorar. Ela o magoara. "Mal renasci, e já estou sendo preconceituosa... nossa.. que vergonha... quantas vezes eu não me senti como ele, antes?". Estendeu sua pequena mãozinha para o ele, tentando com muita dificuldade segurar o enorme dedo, com unhas dignas da "Lady Gaga", afiadas e douradas.
Pode ver os olhos vermelhos brilharem. Ajeitando o menino no colo, se aproximou dela. Ela pode ouvi-lo fungar, um sorriso surgir em seu rosto. Nunca imaginaria em sua outra vida que dragões podiam sorrir. Ele entrega o boto de pelúcia para a bebê, que o aceita. Assim, tanto Willy quanto Biwa ficam radiantes.
– Ela não está com medo de mim, Thierry!! – Falou o dragão com a voz alegre, balançando o menino em seu colo, que festejava junto.
– Óbvio, ela não teria medo dos seus pais, não é, Moama?? – Falou o loiro, a balançando mais uma vez.
– Nem do manino!! – Falou Willy, menino balançando no colo do pai.
A bebê olhava de um lado para outro. Teria muito o que aprender sobre essa nova vida. Aparentemente, ela tinha um irmãozinho e dois pais. Até que não seria ruim, já que em sua vida anterior, não tinha pai algum.
Não demorou muito para mais alguém entrar na sala. Alta, negra, com traços indígenas, cabelos que iam abaixo da cintura numa mistura de três cores de azul. Tinha uma aparência desgastada e usava uma longa camisola de seda, com bordados em tema marítimo. Os olhos amarelos como os de um gato, pareciam cansados. Ela encostou-se no batente da porta observando a cena.
– O que estão aprontando? – Perguntou a mulher, finalmente se aproximando e pousando um beijo em cada um dos presentes. Primeiro nos lábios Thierry, que estava mais próximo da porta; Depois, no alto da cabeça de Moama, fazendo um cafuné em seus cabelos; Em seguida, na bochecha de Willy, que já foi estendendo os bracinhos que o pegou no colo; E, por último, um selinho no focinho de Biwa.
– Não queríamos te acordar, Uiara... – Falou o dragão, com semblante preocupado. – Ainda está de resguardo...
– Agradeço, mas ficar deitada numa cama não combina comigo... Além de que meus peitos já estavam começando a vazar. Então achei que nossa bebezinha já estivesse com fome, eu ouvi o choro! – Falou a mulher, brincando um pouco com o filho no colo, que brincava com uma das mechas de seus cabelos. – Parece que mais alguém também queria atenção. – Willy olhou a mãe, e depois voltou a se aconchegar em seu colo.
Moama observava todos os integrantes daquele quarto. "Ok, eu tenho dois pais, uma mãe e um irmão!! Isso é bem mais do que eu esperava!". Então, o sono a abatera e, aos poucos, foi fechando os olhos e deixado ser embalada.
[Então, o sono a abatera e, aos poucos, foi fechando os olhos e deixado ser embalada]
Quando finalmente recuperou a consciência, ela estava no colo de sua mãe. Era como ser abraçada por um fino tecido de seda. Até o cheiro dela era aconchegante! Não se lembrava de ter tido essa segurança e conforto em sua outra vida. "Talvez seja aquelas coisas que apenas os bebês sabem!". Pensou, tentando se adaptar ao novo ambiente. Aparentemente, naquele mundo, há vários tipos de criatura, desde pequenas pixies à gigantes trolls. Mas todos eles, pelo que se pode perceber, são tratados com igualdade, sem qualquer discriminação por sua aparência ou status.
Moama percebeu que nascera numa família abastada. Apesar de ter várias coisas que não conseguia entender ainda, era claro que estava num tipo de palacete muito bem adornado. Sua antiga casa caberia inteira em seu quarto de bebê e, pelo pouco pode ver, praticamente um terço da favela onde morou caberia naquele lugar.
Porém, não havia súditos, ou pelo menos não havia reparado em nenhum lugar, ou empregado ou qualquer pessoa em estado de servidão. Teria que aprender muitas coisas, porque percebeu que muitas delas eram feitas por magia, ou por alguma tecnologia que, naquele momento, não conseguiu compreender.
Sua linha de pensamento foi cortada quando sentiu, de repente, uma mão gentil em seus cabelos. Era Biwa, mesmo tendo aparência considerada um pouco agressiva, dava para perceber que ele o mais gentil dos três adultos. Sempre a olhava com muito carinho, como se quisesse realizar todos os seus pedidos. Ter pais era bem mais legal que ela poderia imaginar. Estendeu então a pequena mãozinha para o homem, agora, seu novo pai, e agarrou-lhe o dedo indicador. Sua pequena mão nem conseguia se fechar em torno do dedo.
– Comeu direitinho, Mo-agi? – Perguntou o dragão continuando com o cafuné, depois voltou-se para Alessa. – Ela está crescendo tão rápido... logo vai está correndo que nem o Willy.
– Hahaha, você é muito apressado, ela não tem nem três meses.. – Falou a mulher, ajeitando-a no colo. – Devia aproveitar enquanto ela não aprende a correr, vai ser difícil de segurar, se ela tiver puxado a mim ou as minhas irmãs, ainda mais se aprender a voar!!
– Olha, desde que ela não invada rio atrás de tesouros, já vai ser um grande avanço! – Falou Biwa sentando-se na cama e puxando Alessa para perto.
– Olha, se eu não invadisse rios atrás de tesouros, não teria conhecido você e nem Thierry... – Falou a azulada, aconchegando-se no largo peito do marido.
– Vocês me enganaram direitinho... – Ele comentou com uma voz saudosa, deixando as memórias vagarem nos tempos de quando eram jovens.
– Minha mãe avisou que virá essa semana para conhecer Moama, disse que eu devia ter ido ficar na casa dela!... – Falou de forma jocosa, revirando os olhos.
– Claro... ! – Rosnou o dragão, dava para ver fumaça começar a sair de sua boca e o ar esquentar.
– O que esperava? – Alessa entregou a bebê para Biwa e se levantou – Preciso ir ao banheiro. Ela precisa arrotar!
Falou correndo até o banheiro, enquanto o dragão ajeitava a menina no colo, fazendo-a arrotar, ainda resmungando. Ao contrário do que tinha imaginado, as finas escamas que brotavam pela pele humana dele eram bem macias e confortáveis. O som do seu coração batia de forma diferente, como se estivesse imerso no fundo do mar, ouvindo o som de uma grande baleia, ou apenas os barulho do movimento da Terra embaixo d'água.
"Isso é muito confortável...". Foi a única coisa que a bebê conseguiu pensar, aproveitando todo o cuidado que recebia. Não resistiu de brincar com os bigodes, que estavam próximos a seu braço. Parecia que estava segurando um cordão de seda, e estava começando a entender porque tantas culturas gostavam tanto de dragões.
Os meses foram passando e Moama começou a se adaptar ao novo mundo. Conheceu melhor seus novos pais, e a estranheza que sentiu a perceber que eram um trisal, não existia mais. Agora, ela só gostava de ficar com a sua família toda unida. Ainda sentia falta da sua antiga família, da comida de sua mãe, dá risada de seu irmão. Mas estava começando a aceitar que aquela vida não voltaria, e agora ela precisava aceitar essa nova.
Algo dentro dela dizia que não foi mandada para aquele mundo à toa. Teria que se preparar para sua nova realidade. Nesse momento, gostaria que tudo aquilo tivesse apenas saído de algum livro que ela lera. Apesar que sempre preferir livros mais técnicos, séries e filmes, nunca fora uma grande leitora. Porém, aparentemente, aquele mundo não possuía televisão, nem cinema e muito menos internet. Teria que realmente ler muito para se inteirar daquele mundo.
Convicta disso, fez questão de observar cada coisa, prestar atenção para cada informação nova. Mas, acima de tudo, aproveitar a oportunidade de ter uma família num lugar pacífico.
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