*ALERTA DE GATILHO - VIOLÊNCIA POLICIA E FEMINICÍDIO*
"Tap, tap, tap", fazia o barulho de seus tênis no chão enlameado das ruelas da favelas. Por onde corria aquela manhã para chegar a tempo para pegar o ônibus gratuito da faculdade, que passava na estrada logo na entrada da comunidade onde morava.
Ajeitou mais uma vez a mochila grande e pesada nas costas, e continuou a descer a última escadaria que a levaria até a rua principal. Hoje, iria apresentar a primeira fase de seu projeto de mestrado, seria a única mulher de sua família a conseguir o título, mas, para isso precisava pegar o transporte gratuito. Atualmente não tinha dinheiro nem para uma bala, quanto mais para a passagem do ônibus. Principalmente depois de usar os últimos reais que tinha para pagar o remédio de seu irmão mais novo que estava doente.
Pulando os dois últimos degraus, desviando de algumas vizinhas que vinham no sentido contrário, e dando "bom dia" para o cachorro caramelo do Bar do Seu Nelson, que sempre vinha lhe cumprimentar quando ela passava.
– Agora, não dá, Chico!! – Falou a morena para o cachorro, correndo praticamente arfando. – Quando eu voltar, eu arranjo um mata fome pra você!!
A jovem continuou a correr, o cachorro deu mais dois latidos balançando o rabo, enquanto voltava para sua caminha de camiseta velha, que ficava na varanda do bar. Olhou mais uma vez pra trás, para ter certeza que Chico havia voltado para seu cantinho, e saltou pela calçada irregular. Faltavam pouco metros para o ponto de ônibus, e ainda mais alguns minutos para que coletivo chegasse. "Consegui!", pelo menos, era o que imaginava, até que ter que frear com força para não acabar tropeçando nos dois Policiais Militares, que surgiram do nada.
"Consegui!", pelo menos, era o que imaginava, até que ter que frear com força para não acabar tropeçando nos dois Policiais Militares, que surgiram do nada
– Tá fazendo o que, neguinha!? – Falou o gorducho de bigode, ajeitando o boné da corporação. O outro, já começava a rondá-la como uma hiena atrás de carniça.
– Tô indo pra faculdade, Senhô! – Falou a morena, agarrando a mochila, rezando para alguém mais aparecer. Rua deserta, e revista policial nunca era um bom sinal. Principalmente com a mochila cheia dos equipamentos de robótica de seu projeto.
– Tem o que aí dentro, heim, vagabunda? – Falou o outro guarda, magro e comprido, que tinha um olhar tão ameaçador que a fez temer por sua vida.
A morena começou a dar um passos para trás, se tinha uma coisa que dava mais medo que dois caras numa moto numa rua vazia, era dois policiais armados numa rua vazia. Ela podia sentir o cheiro da morte, ou até coisa pior que poderia lhe acontecer. Ser presa era a menor dos problemas. Já sentia seus olhos começarem marejar, enquanto seu coração acelerava.
Mas parecia que alguém resolvera vir em seu auxílio, Chico, levantara de sua caminha e vinha rosnando e latindo para os policiais. Eles tentaram espantá-lo, mas o cachorro, sem medo, foi direto na canela do gordo que perdera o equilíbrio e foi de cara no chão enlameado.
Sem pensar duas vezes, a jovem segurou com firmeza a mochila, fez uma leve mesura, resmungou baixinho que estava atrasada, e sai correndo. Seu instinto de sobrevivência dizia que ficar ali, só aceleraria sua morte. Com os dois policiais cercados, agora por quase todos os cachorros da rua que vieram ajudar Chico, a jovem correu a salvo.
– A gente sabe quando a pessoa não é boa quando nem os cachorros gostam dela... – Falou para si mesma, repetindo uma frase que sua avó sempre lhe dizia. Ela não ia contra a sabedoria dos mais velhos.
Finalmente conseguiu chegar no ponto, pelo que imaginara, em segurança. O lugar estava cheio. Encontrou, inclusive, sua vizinha, que tinha ainda alguns curativos da recente briga com seu ex-marido. Uma pessoa horrível, que nem a bandidagem o queria por lá. Agora, ela e o filho estavam seguros, era o que todos acreditavam.
As duas se cumprimentaram, assim como outras pessoas no ponto lotado. A vizinha lhe disse para dar uma passada depois em sua casa , pois havia feito compota de goiaba das árvores de seu quintal. Mas antes que pudesse responder qualquer coisa, um Opala preto, de vidros escuros, passou atirando. Dentro do veículo, o motorista gritava o nome de sua vizinha e, sem nem mirar, começou a alvejar todos. A morena, só conseguiu sentir algo queimar seu peito, e o baque de seu corpo caindo no chão. Com os tiros e gritos ao fundo, tudo o que lhe restou foi escuridão e silêncio.
Com os tiros e gritos ao fundo, tudo o que lhe restou foi escuridão e silêncio.
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