Giulia estava preocupada com a demora de Lilian, mas se convenceu de que não era nada demais, a outra apenas havia passado em alguma loja (de telefonia, esperava ela) para comprar alguma coisa e decidira fazer todo o percurso a pé.
Isso era a cara de Lilian.
Totalmente.
Então por que sentia um aperto no peito sempre que pensava na amiga? Talvez devesse pedir para um de seus acompanhantes só para se certificar…
Não! Ela não poderia envolver Lilian com seus negócios! Por isso se ela não aparecesse em meia hora, ela mesma saíria para procurá-la.
Vinte minutos depois Giulia estava pronta para começar a procurar a amiga.
Com uma determinação inabalável ela saiu do apartamento, pegou o elevador e na portaria encontrou uma Lilian toda suja, com sangue seco na boca e uma das mãos no estômago.
-Dios mio! O que aconteceu?! - ela correu para dar apoio a amiga.
-Rafael… não gostou de eu ter me rebelado.
-Aquele… - com cuidado, as meninas se dirigiram ao elevador, Giulia apertou o botão do andar com mais força que o necessário, numa tentativa de se conter. - Juro que um dia ele vai se arrepender!… - sua mente funcionava a mil, procurando, em sua nova forma de pensar, maneiras de cumprir sua palavra.
-Não precisa. Eu esperava coisa pior vindo dele. - Lilian fez uma pausa para se acomodar melhor. - Sem contar que ele ser exposto já vai ser recompensa o suficiente.
O elevador parou e as portas se abriram. Giulia deu um sorriso doce para a amiga.
-Você é uma pessoa boa. - e era por isso que ela e o irmão dela estavam tentando cortar os laços com a garota, mas ambos estavam tão apaixonados… essa tinha que ser a última vez.
-Não tanto quanto você acha.
Assim que as meninas entraram no apartamento, a mais velha pôs a outra em repouso no sofá e tratou seus ferimentos visíveis, coisa que ficou melhor depois de se mudar. Depois de um bom tempo deitada, a mais nova caiu no sono.
Elas não jantaram, mas nem por isso Giulia ficou menos atarefada. A primeira tarefa da noite foi contatar seus guarda-costas para pedir um telefone celular novo, não precisava ser de última geração, mas tinha que um modelo melhor que o dela e com chip, ele deveria vir embrulhado para presente com um cartão de parabéns do avô, por qualquer que fosse o motivo; depois pediu para que Rafael recebesse uma mensagem para deixar a irmã em paz sem levantar suspeitas; mandou um email, para o irmão, com as atualizações da sua chegada e em que gastara dinheiro; em seguida foi ler o material disponibilizado pelos professores e colegas de classe para que pudesse se manter em dia com as aulas.
Na manhã seguinte começou seu teatro: o interfone tocou com um dos homens do avô de Giulia se passando por entregador; no ato 2, a mulher fingia surpresa ao ler o cartão e ver o presente, fingiu fingir estar incomodada com o mimo e, por fim, ofereceu seu velho aparelho para a mais nova, que por sua vez tentou recusar a todo custo. Porém, em nome de sua própria segurança e do bem estar mental da mais velha, a mais nova aceitou. Então, a cena final, convencer a menina a matar aula para ir ao hospital. Infelizmente, as coisas não foram como o planejado e o máximo que conseguiu foi convencê-la a ver um médico alternativo que viria mais tarde e a matar aula.
Ela não sabia como conseguiriam, mas mandou uma mensagem para seus guardas pedindo um médico para fazer um check-up e averiguar possíveis fraturas internas. Giulia não deixou sua anfitriã sair da cama para nada além de ir no banheiro e preparar as refeições, o resto ficou a cargo de Giulia. Que seu avô nunca desconfie!
Assim que terminou de lavar a louça do almoço, o interfone tocou e ela ouviu um homem se identificar como Dr. Ayrton procurando “uma bela dama precisando de ajuda”. A jovem não conteve o riso ao esperar o homem na porta do apartamento, seus homens deviam ser bons para convencer alguém a falar tal baboseira como senha.
O homem devia estar em seus 40~50 anos, com vários fios brancos e uma cara de poucos amigos. Ele olhou a mulher que o chamou de cima a baixo avaliando o quanto ela valia, por sua vez, a menina sustentou sua pose de mafiosa que vinha trabalhando a meses, sem se deixar transparecer e impondo certo medo às criaturas mais dóceis.
Sem dizer nada, Giulia abriu espaço para que o senhor entrasse e fechou a porta; seguiu para o quarto que dividia com a amiga e deixou o médico fazer seu trabalho.
Lilian estava levemente alarmada, mas ao olhar Giulia, ela obteve a sensação de segurança, de que a amiga tinha tudo sob controle; por isso, apesar do susto inicial, ela deixou o médico a examinar.
Infelizmente os ferimentos desta vez foram mais graves. Pelo que o médico pode examinar através do toque e pela coloração da pele da menina, Ayrton disse que a costela flutuante direita e a costela falsa imediatamente superior a ela, estavam quebradas, por tanto Lilian deveria ficar ao menos um mês em repouso, mas como ele não estaria ali se a jovem pudesse ser tratada por meios tradicionais, ele receitou alguns medicamentos fortes, chás, uma espécie de colete que deveria ser usado por um mês e o mínimo de esforço possível por pelo menos uma semana.
-Mais alguma coisa?
-Se ela não apresentar melhoras ou reclamar sobre os pulmões arraste-a para o hospital ou prepare o velório. - um calafrio percorreu a espinha da ouvinte, mas ela acenou positivamente adicionado mais um item pelo qual Rafael teria que pagar.
Mexendo em sua bolsa de mão Giulia perguntou:
-Aceita cheques?
-Dinheiro. Nacional ou dólar.
-Quanto?
-R$2000,00.
Com a ajuda de seu novo telefone, a menina fez a conversão para dólar, deixou o senhor na sala para ir buscar parte do valor no fundo falso de sua bolsa de rodinhas rosa, para completar o quanto havia na carteira. Pagou o homem desejando não precisar mais de seus serviços.
Meia hora depois que o homem saiu, Giulia disse que ia à farmácia comprar os medicamentos que o doutor havia recomendado.
Ela saiu do prédio e foi até a esquina, onde encontrou um carro preto com vidros escuros.
-Farmácia. - disse, em italiano. O homem de terno e óculos deu a partida no carro em direção a drogaria mais próxima. - Já visitaram o Rafael?
-Sim, senhorita. Como nos foi instruído, apenas assustamos o sujeito.
-Ótimo. Quebrem quatro costelas e um braço dele. E diga que se ele encostar em Lilian de novo, ele terá uma morte lenta e dolorosa, sem que ninguém possa encontrar o que restar dele.
-Mais alguma coisa? - disse o homem estacionando.
-... Lucca e eu mandamos um oi. - disse saindo do carro e indo até o estabelecimento com a receita em mãos, enquanto o homem dava um telefonema.
O funcionário que a entendeu era bonito e educado, mas se fosse um bom farmacêutico perceberia que a receita não era originária de hospital. No entanto, sem querer contar com a sorte, a garota flertou um pouco com o rapaz, apenas para distraí-lo ainda mais ( o que resultou em um pequeno desconto sobre o preço total e um cartão com o número dele, que Giulia fingiu não vê-lo colocando dentro da sacola).
De volta ao carro a jovem herdeira da máfia encontrou seu subalterno terminando uma ligação.
-Alguém chamou ajuda pro alvo. Ele foi levado ao Hospital Luz e Vida. - disse o homem sem encerrar a ligação.
Giulia fez um biquinho enquanto pensava, por fim disse com um sorriso:
-Me leve até lá.
O homem desligou o telefone e pôs no GPS o nome da instituição. Como estava fora do horário de pico, não demoraram muito para realizarem o percurso.
Do lado de fora do prédio dois homens pareciam ser apenas mais alguns dos muitos ali presentes, exceto pela cautela que transbordava deles. Casualmente Giulia se aproximou deles e pediu por informações, infelizmente eles só sabiam que Rafael estava no terceiro andar.
Com um suspiro ela olhou ao redor e pôs em ação o plano b.
Ela entrou na recepção e deu uma boa olhada em quem estava trabalhando lá. Por sorte ela conhecia as duas atendentes. Então ela pôs sua máscara de preocupação e alívio ao chamá-las.
-Clara! Maria! Graças a Deus! - ela estava a uma certa distância do balcão - Eu ouvi que o irmão da Lily está aqui, como ele está?
-Mais baixo, Gigi. - disse a segunda.
-Irmão da Lily? - perguntou a primeira.
-Sim, vocês não souberam? - ambas fizeram que não. - Eu não sei ao certo, mas Rafael parece ter se metido numa briga ou algo assim. Lily não soube me dizer.
-E aonde ela está?
-Ela e Lucca estavam num encontro… - ela devia se sentir mal por ter de mentir as duas, mas ela só se sentiu mal por ter de usar o nome do irmão sem que ele soubesse.
-Pobrezinha…
-Sim. Ele penou pra conseguir um tempo pros dois e agora isso… - era difícil esconder o sotaque recém ganho - por isso eu pensei que se eu conseguisse mandar uma mensagem pra acalmar, talvez ainda dê pra eles aproveitarem o resto dia…
-Claro. Qual o nome dele?
-Rafael Cardoso Dias. - um brilho apareceu nos olhos da atriz. As funcionárias não desconfiavam de nada. E como poderiam? Para elas, Giulia e o irmão eram apenas duas crianças que tinham a mãe em estado terminal, sendo que uma delas às vezes reunia coragem para fazer pequenas apresentações para os demais pacientes em estado semelhante, acompanhado de sua namorada.
-Ele está bem… - uma pausa para digitar alguma coisa no computador - Ele está no terceiro andar, sala 315. Você pode ver se ele te conta o que aconteceu? Nós tentamos, mas ele não diz coisa com coisa.
-Claro, muito obrigada. - e assim a bela lady do crime conseguiu seu caminho até sua vítima. Em sua caminhada até o elevador, ela sorriu e acenou para alguns conhecidos, mas nenhum deles poderia dizer o que se passava na cabeça dela ou o que pretendia.
Giulia mandou uma mensagem para seus homens dizendo que queria o chá e do colete prescrito pelo médico.
Ela não bateu na porta ao entrar e se sentiu muito desconfortável pelo menino ter um quarto particular, ao passo que pessoas de bem dividiam o leito com um moribundo.
-O que cê tá fazendo aqui? - disse ele tentando se mover ao ver quem entrou.
-Olá pra você também. - a jovem se apressou e se sentou ao lado do menino que começava a ficar pálido. - Você non parece bem. Deveria ver um médico. - ah, ela estava se divertindo com isso. E como! - Pena que Lilian non pode… parece que ela quebrou duas costelas por sua causa, mas non tenho certeza, teríamos que ir num hospital pra saber.
Analisando o menino, ela viu que era o braço dominante dele que estava engessado. Um sorriso se formou em seus lábios e ela não se preocupou em escondê-lo.
-Sabe, depois que fomos embora, Lucca e eu, ganhamos mais do que dinheiro, nós ganhamos poder. Poder o suficiente pra mesmo que você grite aos quatro ventos que foi io quem fiz isso - ela passou o dedo casualmente pelo gesso - o máximo que vai me acontecer é… - o sorriso dela se ampliou - io vou ganhar parabéns e, talvez, um carro novo.
Rafael engoliu em seco se sentindo como um rato encurralado por uma cobra.
-Non sei se você entendeu o recado, mas isso é revanche pelo que você fez para mi Lilian. Duas costelas para cada uma dela que foi quebrada e o braço por tudo o que já fez… Quer que io te explique o que vai acontecer se encostar em nossa preciosa Lily novamente? - Rafael não era um especialista em sofrer ameaças, mas ele entendeu o recado quando a outra parte lhe apertou o peito com a mão espalmada. Ele não se incomodou em esconder as lágrimas, enquanto negava com a cabeça. - Passar bem, então. - disse indo para a porta. - Ah, io sei que você já sabe, mas cuidado quando for explicar o que te aconteceu, non queremos que as pessoas pensem que Lily tem algo haver com isso.
A jovem saiu como se nada tivesse acontecido, ela se despediu e agradeceu as recepcionistas, para, então, se dirigir ao automóvel que a aguardava.
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