Meu nome é Liz Mayson, e eu tenho uma maldição. Tudo começara na minha infância, quando eu comecei a enxergá-las por todos os lugares. E não apenas na terra, nas pessoas. Era tudo infestado por flores. Quando criança, nunca dei muita importância, achava muito bonito tudo que eu via e quando contava aos meus pais, eles diziam como era bela a minha imaginação e que palavras bonitas eu usava. Mas quando cheguei na adolescência comecei a investigar. Flores desabrochavam da pele das pessoas sem ninguém notar ou ligar. Para mim já se tornara uma visão natural, mas eu queria saber mais sobre isso. Por quê? Como? Fui outra vez para a biblioteca da escola, continuar minha rotineira pesquisa.
- Liz, chegaram uns livros novos de mitos e lendas da natureza! Já deixei-os separados no seu lugar de sempre.
Sorri. Josi, a bibliotecária, estava num ótimo humor.
- Obrigada. Farei bom uso deles.
Me dirigi ao meu lugar usual, onde uma pilha de livros me esperava. Eu estava determinada a desvendar esse mistério. Do outro lado da janela, a quadra exalava um perfume de rosas. Fiquei mais relaxada, e comecei a ler. Encontrei desde histórias de índias a meninos e serpentes. Nada sobre flores crescendo da pele. Não foi um dia muito produtivo, afinal. Estava a caminho da cafeteria quando senti um braço me parar à força. Natália me agarrou forte e apertou o passo, irritada.
- Olha isso! Estamos atrasadas!
- Atrasadas?- perguntei, tentando não derrubar os livros que ainda carregava- Para o quê?
Ela resmungou e como se fosse mais uma de suas peças de teatro, levou a mão à testa, jogando seu corpo para trás.
- Oh, céus! Oh, vida! Fui esquecida pela própria pessoa que me convidou!
A ficha finalmente caiu. Eu a havia chamado pra almoçarmos juntas. Fiquei tão imersa em minhas teorias que nem percebi.
- Desculpa, eu estava... ocupada.
Ela olhou de relance pra minha bagagem e deu de ombros. Natália não era muito leitora, não importava a ela os assuntos que eu insistia em pesquisar. Seguimos em direção à nossa mesa de sempre, onde o terceiro mosqueteiro aguardava pacientemente. Não pude deixar de notar que não havia flores em volta dele.
A mesa redonda localizada estrategicamente perto da janela começava a finalmente se agitar quando nos sentamos ao lado de Vinícius. Olhei ao redor, não havia muitas pessoas na cafeteria. Uma garçonete tinha uma bela flor em sua cabeça, linda demais para descrever. Mas sua expressão era séria, contida. Aquilo me deu arrepios, não sei muito bem o porquê. Vini me tirou de meus pensamentos, com um tom brincalhão.
- Liz! Perdeu outro parafuso? Estou falando com você!
Pisquei algumas vezes, assustada, e tentei entender qual era o assunto.
- É disso que estamos falando!- Nat parecia esgotada- Você está sempre com a cabeça nas nuvens, como vai continuar com seus estudos assim?
Abaixei a cabeça e brinquei com a imagem de um lírio na capa de um de meus livros. Como eu poderia me concentrar em estudos se eu tinha assuntos mais confusos que eu precisava resolver?
- O que há com esses livros? Decidiu virar florista, agora?- Vini pegou um livro grande e começou a folhear, curioso.
Tentei recuperá-lo, mas ele se afastou. Levantei, sem paciência, e tentei arrancar o livro de suas garras, mas ele resistiu.
- Solta logo! Devolve!- gritei.
Ele soltou abruptamente e eu perdi o equilíbrio, caindo junto do livro no chão frio. Mas que ótimo, é cada vergonha que esse menino me faz passar!
- Olha o que você fez!- reclamei, com severidade na voz, enquanto os dois gargalhavam em seus lugares.- Se você tiver estragado esse livro eu...
Prendi a respiração. Ao voltar meu olhar para o livro caído aberto no piso daquele simples comércio, uma grande imagem de uma pessoa repleta de flores pelo corpo. Eu havia encontrado. Ansiosa, me levantei depressa e corri com o livro de volta pra biblioteca, sem prestar atenção nas vozes que ficavam para trás.
- Liz? Foi só uma brincadeira, pra onde você vai?!
- Ei, volta aqui, suas coisas!
Enquanto o vento soprava meu rosto, nunca imaginei que me arrependeria de não ter virado e visto as pequenas flores desabrocharem na pequena mesa que eu deixei.
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